Segunda-feira. Dia do descanso, da ressaca do fim de semana. Bares e boates fechados e silêncio nas ruas mais badaladas. Assim funciona em quase todo o Rio de Janeiro, mas nos 3,5 mil m² de uma luminosa e imponente casa de shows na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, cerca de seis mil pessoas sacolejam ao som do pagode e do funk. Espalhados pelos 200 camarotes com seus cordões gigantescos, camisas apertadas e bebidas na mão estão os jogadores de futebol. Uns famosos, outros nem tanto. Mas todos atraídos pelo perfil que o empreendimento, aberto há nove meses, tem.
(Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Inaugurado em novembro de 2011 com um investimento inicial de R$ 10 milhões, o Barra Music transformou-se em point dos jogadores durante a semana – há programação fixa às segundas e quintas – e pesadelo para treinadores e dirigentes dos clubes cariocas. Antes de deixar o Flamengo, o técnico Joel Santana citava o local como um dos “culpados” pelo fracasso de seu trabalho.
- Os caras moram lá. Nunca vai dar certo.
Não foram poucas as vezes em que Ronaldinho atrasou-se para um treino matinal após passar a madrugada por lá. Até em casos policiais a casa foi envolvida. Em dezembro, quando ainda era jogador do Corinthians, Adriano foi acusado - e depois inocentado - de balear uma jovem na mão ao sair de um show do cantor Leandro Sapucahy. Outros tantos, não apenas do Flamengo, batem ponto semanalmente. Há até jogadores de outros estados que encaram a viagem pela noitada – na segunda-feira, dia 20 de agosto, o atleticano Jô esteve presente na roda de samba do grupo Revelação. O deputado federal Romário, famoso por gostar de hip hop, foi pela primeira vez ao lugar em um show do Trio Ternura.
- Sou amigo de um dos donos, já tinha sido convidado e estou comemorando o aniversário de um amigo. Sei que os jogadores gostam, meu filho (Romarinho) frequenta a casa. É ampla, muito bonita, a música é boa. Quero estar aqui outras vezes. Não sou mais jogador de futebol, agora sou político, mas no meu tempo curtia mais hip-hop, funk. Não tenho nada contra pagode - afirmou.
Mas por que tanto fascínio? As respostas resumem o estereótipo da profissão. Lugar espaçoso, certa dose de privacidade, mulheres com vestidos curtos e justos - quase embaladas a vácuo –, trilha sonora predileta da classe e localização ideal para o público-alvo. Gerente de marketing e artístico da casa, Walnir Oliano reconhece o perfil favorável à presença de jogadores:
Nós trabalhamos com uma programação que atrai muitos jogadores de futebol, que inclui pagode e funk, que invariavelmente a maioria dos jogadores de futebol curte mais. Como nós temos isso no mesmo dia e em dias alternados, e geralmente em dias que são mais propícios para que possam vir, eles aparecem para curtir. Segunda, por exemplo, temos pagode."
Walnir Oliano, gerente de marketing e artístico
- Talvez haja uma identificação muito grande porque o jogador de futebol gosta de movimento, gosta de ver gente, de espaço. Eles curtem boates pequenas, mas elas não combinam muito com o perfil deles. E nós trabalhamos com uma programação que atrai muitos jogadores de futebol, que inclui pagode e funk, que invariavelmente a maioria dos jogadores de futebol prefere. Os dias também são propícios. Segunda, por exemplo, temos pagode. É um dia em que não tem jogo, já jogaram no fim de semana e estão descansando.
A proposta do Barra Music é semelhante à de outra casa que “bombou” e reinou como lugar preferido dos jogadores na última década: a Via Show, encravada no início da rodovia Presidente Dutra, estrada que liga o Rio de Janeiro a São Paulo. Porém, a localização fez a novata roubar o posto.
- Hoje, a maioria mora na Barra. Então ficou mais cômodo para aqueles que frequentavam casas noturnas em outros lugares. Ainda mais em tempos de Lei Seca – completou Oliano.
O camarote misteriosoNão há passagens secretas na casa de shows. A entrada dos famosos ocorre pelos fundos. Enquanto eles não chegam, seus convidados, quase sempre belas mulheres, aguardam por ali. Assim que o jogador estaciona o carro, um assessor vai à recepção para a retirada das pulseiras que dão acesso aos camarotes. Em certos casos, são os próprios atletas que buscam os ingressos.
O camarote premium, espaço preferido e disputado pelos grandes astros do futebol, desperta curiosidade dos frequentadores. O local, para 25 pessoas, não é luxuoso. Tem uma porta que controla a entrada – diferente das grades dos demais -, sofás, mesas de metal e o grande diferencial: vidros com películas escuras nas laterais para evitar olhares curiosos. A cada noite há sempre o mistério: quem está dentro da área reservada? O que os convidados fazem por trás da proteção?
Por noite, um jogador gasta entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil com bebidas e petiscos para seus convidados. A consumação elevada garante a entrada gratuita para a comitiva. Mulheres não abrem a carteira. Por isso, elas se posicionam estrategicamente atrás dos camarotes.- O que acontece? Nada que não ocorra em outros locais. Os jogadores podem beber à vontade e se distrair com amigos e amigas. As pessoas têm criatividade e devem pensar que acontecem várias orgias ao som do funk, mas não é assim – disse um amigo de um jogador.
- A mulherada fica ouriçada na área dos camarotes. Nesse espaço de 30, 40 metros, elas ficam esperando alguém chamar para entrar, principalmente os jogadores. É assim a noite toda - disse um dos garçons.
A recepcionista Paula da Silva confirma em parte a tese. Moradora do bairro do Anil, na Zona Oeste, ela vai ao Barra Music pelo menos duas vezes por semana, principalmente às segundas, quando está de folga.
- Eu venho para o Barra Music porque é um lugar com muita gente bonita, encontro amigos, gosto da música. Já fui abordada por jogadores aqui, conheço muitas meninas que são chamadas para entrar nos camarotes. Acho que a casa ganha mais glamour com a presença dos jogadores. Eu ficava com um jogador do Fluminense, conheço muitos jogadores, mas não venho aqui por causa deles.
Paula (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Já fui abordada por jogadores aqui, conheço muitas meninas que são chamadas para entrar nos camarotes. Acho que a casa ganha mais glamour com a presença dos jogadores."
Paula da Silva, frequentadora do Barra Music
No espaço mais popular do Barra Music, a pista, os boleiros também estão presentes. Não os famosos, que atraem flashes e pedidos de autógrafos, mas aqueles que seguem o estilo. Camisas apertadas, brincos e cordões, bonés de aba reta e relógios nada discretos. Gente que aproveita a noite sem o mesmo glamour, mas se diverte.
Mestre de capoeira e jogador de futebol amador, Lúcio de Oliveira, de 36 anos, vive há seis em Munique, na Alemanha. Na segunda vez no Barra Music, abriu mão dos camarotes e passou a noite na pista, com outros três amigos.
- São poucas casas no Brasil como esta. É um lugar com gente bonita, o som é bom. Conheço muitos jogadores de futebol que frequentam aqui. Alguns desconhecidos e outros famosos. Esses nunca estão sozinhos. Estão sempre cheios de amigos e mulheres. Acho que a presença dos jogadores gera mais mídia para a casa, atrai mais gente. Tem os jogadores mais novos, que ninguém conhece ainda, e aquela rapaziada que se passa por atleta (risos).
Para a direção, a fama de atrair jogadores não atrapalha. Pelo contrário.
- Toda mídia é bem-vinda. Não exploramos isso comercialmente. É uma coisa natural. A casa tem um potencial muito grande. As pessoas ficam encantadas, inclusive as pessoas de fora do Rio de Janeiro. Tivemos a Rio+20 e recebemos uma grande quantidade de turistas de várias partes do mundo. Como a casa é muito atraente, acaba recebendo personalidades, não só do mundo do futebol - disse o gerente de marketing e artístico.