segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Quando não é dia de futebol


Já mofei num engarrafamento pra chegar num jogo de futebol em Salvador, já passei aperto no metrô antes de assistir a um clássico no Rio de Janeiro e já sofri pra encontrar um táxi depois de um Brasil e Argentina em Belo Horizonte. Também já tomei chuva no estádio do Barcelona, perdi o último trem de volta pra Santiago de Compostela, onde eu morava, depois de assistir um jogo em La Coruña e já dei voltas no estádio do River Plate, em Buenos Aires, antes de encontrar a entrada indicada no meu ingresso na final da última Copa América.
Também já chorei numa arquibancada da Fonte Nova, perdi a voz no Maracanã e xinguei o juiz no Mineirão. Já me deliciei com um show de Messi no Camp Nou, vi a elegância e categoria de Zidane de perto, no Riazor e já me impressionei com o Stade de France. Sim, em todos estes lugares, as regras dentro de campo são as mesmas, a distância entre as traves é igual, o gol tem o mesmo valor, mas, do lado de fora, a coisa é bem diferente. Quando o assunto não é a bola rolando, as regras mudam. Existem dois mundos: o primeiro é o da paixão, da loucura, do amor, da identidade, do grito, do choro e o segundo, é o da organização, do racional, do planejamento e do concreto. O Brasil é o país do (e não de) primeiro mundo. Em nenhuma das torcidas por onde sentei encontrei um povo tão desesperadamente comprometido com um escudo. Não há dúvidas que é esse ingrediente que nos transformou no país do futebol.
O problema está na distância para o outro mundo. Está na falta de vergonha de quem aproveita a força emocional do futebol no nosso país para levar vantagem. Está na desonestidade dos políticos que roubam a chance do país ter um pouco desse outro mundo do futebol. O problema está no metrô que não acaba, na escola que não educa, na saúde que não é cuidada, nos aeroportos que são um caos. Está também na mentalidade de quem foge do engarrafamento pelo acostamento, de quem joga lixo na rua, de quem se recusa a sentar no assento marcado (seja no estádio, no avião ou numa metáfora).
Missão dada, nem sempre basta ser missão cumprida. É preciso ser também lição. Porque eu não tenho dúvidas que a Copa do Mundo será realizada. Que em dia de futebol, a torcida (brasileira, europeia, argentina ou qualquer outra) se emocionará, gritará e, bem ou mal, estará lá aproveitando as praias, a culinária, a natureza, a música e a cultura. Mas, o que este Mundial trará e ensinará para os brasileiros? Além da sonhada taça do hexa, o que o maior evento da nossa paixão pode deixar por aqui além das lágrimas e gritos no estádio? Que tipo de jogo vamos presenciar nas cidades por onde a bola passar quando ela não estiver rolando?
Não falta pouco para a Copa do Mundo de 2014. Ela já começou (ou deveria ter começado). E, como em tantas outras coisas, estamos perdendo a oportunidade de vibrar por belas jogadas fora de campo. O problema do Brasil é perder de goleada, justamente quando não é dia de futebol.
Pretinho Básico
Lembrando onde foram realizadas as últimas Copas do Munda: em 2010, a África do Sul viu a Espanha ser campeã pela primeira vez. Em 2006, foi a Seleção Italiana que fez a festa na Alemanha. Em 2002, fomos nós quem levantamos a taça na primeira vez que dois países  (Coreia do Sul e Japão) sediaram juntos o evento.
Esporte Fino
Tanto a Arena Fonte Nova quanto o Mineirão, receberão seis jogos da Copa do Mundo de 2014: serão quatro da primeira fase, um das oitavas de final, um das quartas, no caso de Salvador e uma semifinal, no caso de Belo Horizonte. O Maracanã recebe sete: quatro da primeira fase, oitavas, quartas e a grande final.
Publicado por Clara Albuquerque e arquivado em Colunas Correio

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